A escolha da arte e a arte da escolha
Por muito tempo questionei o porquê de querer seguir o caminho da arte sabendo que não deveria. Na minha mente adolescente prevalecia o que eu ouvia do meu pai, preocupado (como todo o pai) de que eu estava escolhendo uma profissão que não dava dinheiro: “arte é lazer, não trabalho!”; “é importante escolher uma profissão que dê dinheiro para depois fazer o que gosta nos momentos de lazer”. E tenho certeza que a intenção dele foi a melhor possível de acordo com sua vivência.
Mas essas palavras voltaram a povoar minha mente, recentemente, quando uma conhecida ao qual tenho muito carinho, veio falar comigo que estava triste porque foi contar sua escolha profissional para alguém da família e ouviu a seguinte frase:
“Pobrezinha! Você quer fazer fotografia porque
não se sente inteligente para fazer uma faculdade?
Arte é só para quem não é inteligente!”
A frase foi tão absurda em diferentes aspectos e eu estava tão em choque que não consegui pensar em nada para dizer a ela, ah não ser que a pessoa era ignorante e que não valia a pena dar atenção. Mas isso não saiu mais da minha cabeça. Porque percebi que muita gente pensa assim, mesmo nos dias de hoje.
Esse pensamento conservador de que só profissões tradicionais é que são importantes e que arte é uma coisa "supérflua" me tirou o sono por dias. Me fez questionar também minhas próprias escolhas. Me questionei tentando entender por que eu não poderia ter nascido como as outras pessoas que escolheram se tornarem médicos, engenheiros, administradores ou advogados? Porque eu não conseguia fazer nada que me garantisse uma vida financeira estável?
Tentei seguir a área de publicidade e propaganda que era reconhecida e dava dinheiro, mas fui parar no Desenho Industrial porque era o único na época que eu poderia desenhar, mesmo que fossem produtos industriais. Depois tentei enveredar para o lado do Design Gráfico que era uma profissão nova e estava empregando muitos naquele período mas fiquei fascinada mesmo foi pelo Design de Moda e suas múltiplas facetas. Sei que ambos eu poderia desenhar, mas a Moda tinha um quê especial: eu poderia representar tecidos, estampas e bordados com cores! Com arte! Isso me empolgava muito.
Então percebi que não foi eu que escolhi a arte, foi ela que me escolheu mas na minha mente agora de adulto, eu continuava a lutar contra ela, apesar de amá-la tanto.
Eu queria uma profissão que pagasse bem e ilustrar, para mim, não era viável pois eu teria muito caminho pela frente e precisaria de tempo para isso: praticar muito, testar muitas técnicas, preencher muitos sketchbooks até encontrar meu estilo, enfim, "definitivamente eu não tinha tempo para isso", pensava eu. Só que o tempo e o coração não trabalham juntos. O tempo é relativo e o coração quer o que ele quer, não é mesmo?
Eu só não sabia disso naquela época, então eu tentei outras profissões próximas da qual eu pudesse trabalhar artisticamente, mesmo que de vez em quando.
Sim, aquelas palavras me afetaram muito! E afetaram mais porque, no fundo, as palavras do meu pai ainda se encontravam dentro de uma gaveta escondida no fundo da minha mente e esse acontecimento foi a chave para tirá-las de lá. Porque apesar de eu ter escolhido outras coisas, eu continuo não tendo um trabalho fixo, um trabalho que pague por mês, certinho, como eu teria se tivesse escolhido uma profissão tradicional. Será que escolhi errado? O que eu poderia ter sido? Será que eu estaria feliz agora se tivesse escolhido a psicologia ou a nutrição (uma das minhas outras opções que não a arte)?
Fiquei tão angustiada com esses questionamentos todos sobre arte e trabalho que fiz o que qualquer ser humano faria: googlei! Então encontrei um artigo intitulado A arte e a humanização do homem: afinal de contas, para que serve a arte?, da Rose Meri Trojan, ao qual chamo a atenção para essa estrofe:
A hipótese mais coerente aponta para a polarização entre razão e emoção. Como se a pessoa humana fosse dividida em compartimentos — uma parte pensa, outra se emociona, uma trabalha e outra descansa.
Esta polarização entre razão e emoção se desenvolve no processo de consolidação do modo de produção capitalista, onde o trabalho não deixa espaço para sentimentalismos, onde a qualidade e a quantidade dos produtos está acima da possibilidade de realização humana e do prazer que dela decorre.
Primeiro, relaciona-se com a visão lógico-formal de certo e errado, verdade e engano: se está certo, não pode estar errado e vice-versa. Desse modo, a razão tem fundamento na verdade, na ciência, no controle consciente da ação. E, se assim é, razão é oposta à emoção, pois esta escapa ao controle, é espontânea, instável, irracional.
Em segundo lugar, esta oposição se faz pela separação entre trabalho e lazer. O trabalho é coisa séria, racional, controlada, penosa, enquanto o lazer é fútil, emocional, solto, prazeroso.
Depois de ler o texto que, diga-se, é uma aula de questionamentos importantes referentes à arte, pude entender o meu papel nessa vida e honrei minhas escolhas. Honrei também o fato de ter tido a coragem de me questionar, pois foi este questionar que me libertou. Claro, não somente a leitura do texto, mas também alguns insights, descobertas e até a frase daquela senhora lá em cima.
Mas, voltemos então para o fato de ser um adolescente e ter a difícil tarefa de escolher o que seguir como profissão em face a uma decisão tão importante na vida. E se escolher errado? E se não conseguir emprego?
E aqui entramos em outras questões: quem disse que tem hora certa para decidir o que queremos fazer da nossa vida? Ou quem instituiu que a profissão que escolhemos tem que ser para sempre? Ou que tem que ser apenas uma profissão? Quem teria sido Leonardo Da Vinci se alguém tivesse dito a ele para escolher apenas um dentre seus muitos ofícios?
A questão é que nossa liberdade é limitada pela mente e buscamos constantemente aprovação não só das pessoas mais próximas, como nossos pais, mas como da sociedade. Não deveria ser, eu sei. Por isso devemos ter cuidado ao ditar nossas verdades para uma criança ou adolescente pois, como disse Chimamanda Adichie em sua palestra no TED intitulada
“O perigo de uma única história”, é que “existem muitas versões para uma mesma história”. A minha verdade é diferente da sua e as duas não precisam necessariamente serem mentiras porque, simplesmente, não existe uma verdade absoluta. Cada um tem uma visão de mundo diferente de acordo com o caminho que trilhou. Meu pai queria o meu bem e por isso sugeriu que arte era lazer. Essa eram as verdades dele.
Acredito que cada um sabe dentro de si qual chama do conhecimento brilha mais e qual é o seu propósito no mundo. Só precisamos ouvir o que diz aquela vozinha insistente dentro do peito que nos faz escolher uma coisa ao invés de outra.
Todas as profissões são importantes e têm um papel específico no desenrolar da história do mundo. Fuja dos conceitos pré-estabelecidos, dos julgamentos alheios que não acrescentam nada e procure acreditar em si mesmo. Só a própria pessoa sabe dentro de si o que é melhor para ela. Você pode fazer o que quiser! É o que eu também estou fazendo agora.
O fato é que eu percebi que se não tivesse ligado para o que os outros pensavam eu teria desde o início desenhado o que eu quisesse e teria me desenvolvido desde aquele tempo e, hoje, eu estaria, sim, fazendo o que eu amo. Teria encontrado tempo para desenhar e/ou fazer coisas que eu queria. E, meu Deus, quanto tempo perdi por achar que não deveria ser ou fazer o que eu quisesse!
Iniciei minha profissão em um curso técnico de Desenho Industrial que culminou em uma formação em Design de Moda e uma Pós-Graduação em Design de Estampas. Mas eu poderia ter feito outras coisas, seguido outros caminhos. Ainda assim, acredito que todos os caminhos iriam me direcionar para o que meu coração realmente queria e do qual não poderia fugir, mesmo que demorasse mais. É assim que é. Todo mundo tem um papel no mundo, não é?
Então hoje eu sei que, se eu quiser eu posso ser estilista, ilustradora e/ou trabalhar com estamparia. Posso criar bonecas de pano, jóias, cerâmica, bordados. Posso trabalhar com papelaria ou escrever um livro, uma música ou uma poesia. Quem sabe? Eu posso ser o que eu quiser e você, também! Afinal, ninguém disse que não podia. ;)
N.