O dia que saí do luto

Nanah Soares
5 min readJan 18, 2022

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Fazem quase 11 anos que minha vó fez sua passagem mas eu acho que eu estava de luto até ontem. Não conseguia falar sobre ela sem chorar e não gostava de falar.

Eu lavava louças na cozinha e peguei um objeto para lavar. Um bule. Minha avó cuidava de suas coisas com muito cuidado, areava panelas e objetos de alumínio e inox que ficavam como novas. Eu fiquei observando cada reentrância dele, cada marca de uso e a beleza da imperfeição que ele me trazia. Acho que eu nunca tinha feito isso. Nunca havia parado para analisar a história dele nem porque eu o cuidava tanto.

Foto do bule de alumínio que ganhei da minha vó

Esse bule era da minha vó Edith. Foi o único objeto de cozinha que trouxe do Brasil e foi ela que me deu. Cuido dele como se ele fosse de ouro, pois para mim é até mais que isso.

Lembro do dia que ganhei: eu morava no Rio de Janeiro e fui visitar ela no Sul do Brasil. Tomamos café com bolo-frito e rosquinhas. Daí comentei com ela que eu queria um bule assim como o dela pois parecia que o café ficava mais gostoso.

Eu não percebi, mas antes de irmos embora, ela lavou o bule, enrolou em um papel de presentes e me deu. E ficou usando uma caneca alta como bule.

Se isso não é amor, o que mais pode ser? Minha vó foi a pessoa que mais me amou nesse mundo! Tenho certeza disso .Choro ao lembrar do enorme coração dela, do cuidado e do carinho que ela tinha com as pessoas, animais de estimação e até com objetos que ela possuía. Ela não tinha muito, mas dava muito valor para tudo o que tinha.

É engraçado como a partir da lembrança do bule começam a vir à tona outras lembranças. E, nesse momento, me senti inundada de amor e lembranças.

Lembro dos dias de tormenta e do pires com cruz de sal que é "para Santa Bárbara nos proteger", ela dizia. Lembro de suas crenças. E do quanto ela amava rosas. Não podia ver uma que encostava o nariz para cheirar.

Lembro do cheirinho dela. Minha vó tinha cheiro de carinho. Lembro também dos cremes que ela usava e da sua mania de trocar os móveis de lugar, nunca ficava muito tempo com eles de um jeito (herdei isso dela). E da sua paixão por vinho! (também herdei isso!).

Lembro da risadinha quando se falava algo em que ela ficava com vergonha. Mas no contraponto, ela era uma mulher forte e defendia as causas em que acreditava. Não se importava com o que os outros pensavam ou falavam a seu respeito, e se mantinha fiel às suas convicções (queria ter herdado isso dela).

O anel de 15 anos era sagrado: ela deu um anel para todas as netas dela para marcar a saída da infância. Mandava o joalheiro fazer todos iguais: anel de ouro, com 2 folhagens de prata sustentando uma pedrinha no meio. Era como um legado, para ela.

O anel de 15 anos dado pela minha avó à todas as netas

A vó Edith (Dona Edith, como a chamavam) foi uma dona de casa simples mas que deixou uma marca de amor forte em cada um de sua família. Ela é presente na minha vida através dessas lembranças de amor. Todos os dias, em cada página da vida, ela está lá. E é assim com toda a pessoa que ama verdadeiramente alguém. Por isso amor é tão importante. Por isso que dar carinho e atenção para uma criança vale mais que dar coisas. Coisas acabam mas o amor fica.

Vó, apesar de ter levado muito tempo para conseguir falar, quero que saiba que onde quer que a Senhora esteja, eu te amo demais! 💕A Senhora é parte de mim, para sempre! Obrigada por tanto amor! ❤️

Abaixo, alguns relatos de coisas que aconteceram nesse tempo entre a morte dela e o dia que eu saí do luto. Muitos deles fazem anos, e ainda lembro de todos como se tivesse acontecido ontem:

  • Três meses depois que ela morreu, eu tive uma “visão” enquanto jogava um jogo de piano no celular (Smule ou algo assim). Acho que o tilintar das teclas do piano me relaxou e a melodia me transportou para outro lugar. Lembro que era uma música clássica. E ali, naquele lugar (uma casa com teto meio alto, paredes claras e arcos nas portas) eu tocava piano e minha vó estava ao meu lado apreciando a música. Meio austera, mas parecia gostar do que ouvia. Ela era muito bonita, tinha os cabelos com alguns fios brancos. Nesse lugar, ela parecia minha mãe e estava com um penteado alto e com um vestido preto com anquinha. Era viúva, por certo. O rosto dela não era fisicamente a minha avó, mas no íntimo, era ela. Nem eu era eu. Ambas estávamos tristes e compartilhávamos uma dor. Essa cena aconteceu em segundos e passou. Penso que possa ter sido minha mente que, na tristeza, imaginou tudo isso. É bem provável, inclusive, mas nunca tinha passado por algo assim.
  • Algum tempo depois eu sonhei com ela. Ela estava amparada por duas pessoas que eu não conhecia, estava sentada em uma cadeira para me ver. Ela estava muito emocionada e, quando eu fui entender o que estava acontecendo e como ela estava viva, percebi que era um sonho e acordei. Mas foi bem real! Nesse caso, como era sonho, meu coração quer acreditar que ela foi me ver de verdade em sonho, não aguentou a emoção, chorou e eu fiquei assustada e acordei.
  • Um tempo depois disso, tive uma presença dela enquanto lavava louças. Senti sua presença, veio do nada, eu disse que a amava e, chorei. Mas senti ela bem. Isso também aconteceu uma vez com meu avô, quando eu era mais jovem. Fazia alguns anos que ele tinha morrido. Estava eu e minha mãe conversando e falamos nele. Daí, de repente, sentimos a presença dele e minha mãe disse: "Ele está aqui, né?" Já chorando. Eu disse que sim e também chorei. Foi muito bonito, mas passageiro. Não sei que certeza a gente tem quando tem alguém que a gente amou muito por perto, mas é uma certeza que não tem respaldo para dúvidas. Há poucos dias conversamos sobre isso e ela disse que lembra como se fosse hoje.

Depois disso, sonhei mais algumas vezes com minha avó. E em todas, ela estava mais nova, saudável e feliz.

Esses acontecimentos podem ter ocorrido por saudade ou por invenções da minha mente para me deixar tranquila. Mas como dizia William Shakespeare: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que possa imaginar a nossa vã filosofia.” ;)

Cuidemos de quem amamos. ❤

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🐞 Art and Design. Às vezes escrevo um quê aqui e ali de qualquer coisa. Para ver minha arte, me siga no Instagram: @nanah.art

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